A depressão entre os jovens e o consumo excessivo de antidepressivos

Vivemos num mundo acelerado e conectado digitalmente onde tudo o que supostamente importa é reduzido a vídeos de 10 segundos de bisbilhotices e bicharada adorável. A atenção? Ah, essa esgotou-se rapidamente, como se fosse apenas mais um recurso não renovável.

Porém, esta maré de abundância digital reclama os seus náufragos: a saúde mental é um deles. Particularmente alarmante é o crescente número de jovens a debater-se com ansiedade e depressão, naufragados numa ilha de solidão neste oceano de conexões. Não deixa de ser irónico que os jovens nunca estiveram tão facilmente conectados pela tecnologia, mas paradoxalmente, nunca se sentiram tão isolados. Enquanto a rede os liga a todos os cantos do globo, ela também lhes apresenta um espetáculo contínuo de vidas aparentemente perfeitas, fazendo-os sentir-se alienados e solitários.

Esta realidade é refletida em estatísticas alarmantes: de acordo com um estudo realizado pelo Pew Research Center em 2021, nos EUA 48% dos jovens entre 18 e 29 anos afirmaram sentir-se sozinhos frequentemente ou sempre. Além disso, um relatório da Organização Mundial de Saúde, também de 2021, mostrou que os casos de depressão e ansiedade entre jovens aumentaram em 70% na última década. E num estudo realizado em Portugal, 34% dos jovens relataram sentir-se sozinhos durante a pandemia, apesar de estarem mais conectados digitalmente do que nunca. As estatísticas pintam um retrato desolador de uma juventude hiperconectada mas profundamente solitária. Um paradoxo dos nossos tempos: uma geração embalada digitalmente na frieza do ecrã mas perdida na solidão.

Segundo a psiquiatra infanto-juvenil chilena Ana Marina Briceño, esta tendência está sendo vista globalmente, com cerca de 15% dos jovens entre 10 e 19 anos na América Latina lutando com algum tipo de transtorno mental [1]. O cenário não é diferente em muitas outras partes do mundo. Esta realidade alarmante está conduzindo a uma tendência preocupante – o aumento do consumo de antidepressivos, especialmente entre os jovens.

Os antidepressivos, uma classe de medicamentos usados para tratar condições como depressão e ansiedade, são cada vez mais prescritos para adolescentes e jovens adultos. De acordo com os dados mais recentes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), países como Islândia e Portugal lideram a lista do consumo de antidepressivos, com uma dose diária definida (DDD) por 1000 habitantes de 161,1 e 139,6 respectivamente [3]. A questão surge: este consumo excessivo de antidepressivos é a solução certa para o problema?

A depressão entre os adolescentes é uma questão complexa, influenciada por uma infinidade de fatores, desde mudanças hormonais até pressões acadêmicas e sociais. Em um mundo cada vez mais digital, as redes sociais desempenham um papel crítico na promoção da auto-comparação e no aumento dos níveis de ansiedade e depressão [1]. Além disso, a pandemia de COVID-19 trouxe consigo um conjunto sem precedentes de desafios que exacerbou ainda mais a situação.

Os antidepressivos são ferramentas valiosas na luta contra a depressão, e a ciência está avançando para melhorar a eficácia destes medicamentos. Pesquisadores da Mayo Clinic estão utilizando a inteligência artificial (IA) para prever os resultados do uso de antidepressivos em crianças e adolescentes com transtorno depressivo maior [2].

Em suma, os dados são claros e preocupantes. Estamos a enfrentar uma epidemia de saúde mental entre os nossos jovens e a sua resposta tem sido o consumo excessivo de antidepressivos. Este fenómeno sublinha a necessidade de uma reflexão profunda e de uma ação efetiva. Precisamos quebrar o estigma associado à saúde mental, promover a literacia digital e conscientizar sobre o impacto das redes sociais na saúde mental.

Também é fundamental que como sociedade, e especialmente os pais, tomemos medidas ativas para limitar o tempo que os nossos jovens passam ligados a dispositivos digitais. Enquanto as conexões digitais têm o seu lugar, é imperativo que incentivemos as relações sociais no mundo real, onde o sentimento de pertença e conexão é mais autêntico. Por outro lado, necessitamos assegurar a disponibilidade de recursos de alta qualidade para a saúde mental, que incluam não só o aconselhamento e a terapia, mas que também abordem de uma forma holística a compreensão do indivíduo, do seu ambiente e dos desafios que enfrenta. Uma estratégia eficaz de saúde mental não pode depender exclusivamente da medicação. É vital compreender que esta é apenas uma parte do que deverá ser um plano de cuidados compreensivo e personalizado.

Afinal, o que está em jogo não é apenas a saúde dos nossos jovens, mas o futuro da nossa sociedade. Como escreveu o psiquiatra infantil britânico John Bowlby, “o que não podemos falar, depositamos no corpo”. É tempo de falar sobre a solidão, a depressão e a ansiedade dos nossos jovens. É tempo de agir.

Referências:

[1] Briceño, A.M. (2022). “Depressão infanto-juvenil: uma pandemia silenciosa.” Revista Latino-americana de Psiquiatria, vol. 44, no. 1, pp. 1-4.

[2] Mayo Clinic. (2023). “Using AI to predict outcomes of depression treatment in youth.” Mayo Clinic News Network.

[3] OCDE (2023). “Antidepressant drugs consumption, 2022.” Health at a Glance: Europe 2023.